sexta-feira, setembro 09, 2005

Homem Macaco e Porco

Leio na revista Visão, nº 653, desta semana, in Útero com paredes de vidro (pag. 25): com seis semanas […] não se distingue se o embrião é de homem, macaco ou de porco […]. Quando o embrião no útero da mulher se torna feto parece que vira homem. Mas a notícia não diz se, em vez de homem, poderia virar macaco ou porco.

Sabe-se porém (e não faltam notícias e comentários nas muitas páginas da revista para apoiar a evidência) que a mulher despeja com as águas uterinas uma esperança de humanidade que a realidade adulta acaba quase sempre por trair: o homem afinal também é macaco e porco.

Não fora a criança, nunca se saberia o que de homem habitava o embrião humano. Não fora o adulto, nunca se saberia quanto de macaco e porco se esconde, afinal, no dito embrião.

O que vale é que a Revista associa a eterna criança à estética: na sua crónica (pág. 13) António Lobo Antunes evoca o fascínio diante do seu (também meu) anel [de lata] com o emblema do Benfica e os novos designers [pág. 107] recorrem, como as crianças, à potencialidade lúdica para aproveitarem os materiais aparentemente sem valor.

As crianças conseguem brincar aos imperadores com ceptros de cana rachada. Depois de adultos, são poucos os que guardam a alma de criança.

segunda-feira, julho 18, 2005

Dois anos depois


Tudo se deve passar por aí como eu te havia dito antes de partires. Segues nossos passos mas não te perturbas. Aliás, nem sequer há razões para grandes ansiedades. Vive-se por aqui a esperança, Isabel. E a esperança é uma virtude que nada tem a ver com a racionalidade fria da coragem. É emoção pura. Como me acaba de dizer o Miguel numa mensagem, há dois anos partiste e ficámos nós com as dores de um parto onde nos vimos obrigados a renascer. Eu, teus filhos e as netas continuamos bebés sadios.

quarta-feira, janeiro 19, 2005

O mesmo do mesmo...



Vivemos no meio de uma gigantesca galáxia de diagnósticos em expansão. São aos milhares os teorizadores da sociedade técnica, os teorizadores do fenómeno urbano, os teorizadores da abundância, os teorizadores dos tempos livres, os teorizadores do consumo, os teorizadores das teorias, multímodas visões redutoras de fenómenos ao mesmo tempo contraditórios e complementares, onde o político, o social, o económico e o cultural se chocam, penetram, repelem e unem, tudo à vista de todos - também há os teorizadores da mundialização - turbilhão de ideias, imagens, palavras e ruídos, reflectidos por milhões de cérebros que mais parecem outras tantas células nervosas de um gigantesco cérebro colectivo à deriva e a inundar de perspectivas o mercado dos cenários.
Se nem todos têm razão, não há nenhum que não tenha lá as suas razões!... E sabe como se dá razão às razões? É com uma teoria. Continue... Não seja menos que os demais...

sábado, janeiro 08, 2005

Parabéns, pai!

- Ó João, por que é compraste um garrafão de aguardente? – dizia a Piedade para o marido, apreensiva e desconfiada daquele inusitado apetite etílico.
- É para a feira, mulher. Um copito dela por cada dois quilos, vais ver que esgotamos num instante a carroça das castanhas...
- E por quanto tens de vender o quilo de castanhas para recuperar o preço da aguardente, homem?
- Ó mulher, o que interessa é a festa! Já temos a ceia na volta, levamos farnel para o almoço, as castanhas já estão pagas, vais ver que depois da festa rija, ainda trazemos dinheiro para casa.

Pai, festejei hoje teu aniversário diante de um prato de bacalhau com couves, com uns copos de vinho de marca do Alentejo e com a emoção nublada de lágrimas, minha homenagem à partilha festiva da gratuidade que me transmitiste com histórias simples de vida como a do diálogo verdadeiro entre ti e a mãe, decorriam os difíceis anos vinte do século passado. Pai, fiz a festa sozinho. Hoje, nas feiras, ninguém entende, nem o meu nem o teu ócio. Hoje, pai, todas as festas são negócio.