terça-feira, dezembro 31, 2002

Ano Novo, promessa de sempre.


Passam os anos e eu continuo a olhar para trás. Mesmo para antes de ter nascido. Vejo sempre meus pais a imaginarem minha vida algum tempo antes de me terem concebido. E continuo agarrado à fidelidade com que eles cumpriram essa promessa. Por isso, meu Bom Ano Novo vai cheio das esperanças que de meus pais herdei e eles me ensinaram a partilhar. E desta maneira, sem deixar de olhar para trás, convosco continuarei a caminhar em frente.

terça-feira, dezembro 24, 2002

Meu Natal radical


Natal não é pacífico: queixam-se de todos os quadrantes que o espírito de Natal foi desviado para fins ínvios. E queixam-se crentes e não crentes. É mais ou menos voz corrente de que deveria ser Natal todos os dias. Mas não: - é só uma vez por ano com hora certa no calendário.
Deixo aqui minha interpretação radical do Natal. Radical e, certamente, pouco ortodoxa. Trata-se de um símbolo transversal da humanidade que se foi habituando a comemorar o mistério feito criança todos os anos a horas certas. Nasceu da virgem Maria, outro mistério para muitos, apenas para os que esqueceram que os filhos do amor nascem todos de mães virgens. Eu não esqueci: virgem era a minha mãe e que eu saiba teve quatro filhos.
Filho de uma mãe que não conheceu homem. Outro mistério? Talvez, mas para mim há muito esclarecido: mulher nasce mãe muito antes de ter homem, casar e ter filhos. Só homem se torna pai depois de mulher lhe apresentar um filho. Nisto de ter filhos, pai é secundário; mas sem mãe, nada feito. Por isso, só se pode fazer uma ideia do que é o amor olhando para a mãe. Ela é a personificação da esperança e o ser que transforma a esperança, virtude do fim, em permanente coragem, virtude sem fim que suporta a ansiedade permanente de ver o filho cada vez mais separar-se dela.
E pai, quando é fiel, assiste. Não desiste. Nem a mulher é sua, nem o filho é seu. Só passa por ele o sopro da vida, mas não detém a chave do mistério. Assiste com a mulher ver o filho partir para outra. Nasce o menino numa folha do calendário da esperança; morre o adulto noutra folha roxa da paixão: - Deus meu, porque me abandonaste? E se não fora a ressurreição, para quê o Natal todos os anos?
Deixo-vos meu Natal radical: - mães, pais e filhos a caminho de alimentar o Além. Além 2002 e além Sempre.

quarta-feira, dezembro 11, 2002

Uma resposta a dez questões muito sábias.


E o que é a ciência? Um articulado de razões para submeter ao pensamento a realidade. E a realidade, o que é? Tudo aquilo que resiste ao pensamento e deixa a ciência sem hipótese. E a hipótese o que é? Um cheque em branco que a ciência emite no banco da verdade. E a verdade, o que é? O misterioso banqueiro que dá ou não à hipótese a cobertura da experiência. E a experiência o que é? O conjunto de manipulações com que a ciência procura subornar o banqueiro, abalando a verdade com a ameaça da revolução. E a revolução, o que é? A irreprimível tendência da ciência para não aceitar o facto. E o facto, o que é? É “isso” mesmo que constitui para a revolução um permanente problema. E o problema, o que é? É o conjunto de factos que a revolução não resolve e pede à ciência que arrume na prateleira da teoria. E a teoria, o que é? Um grande armazém de hipóteses sem cobertura, um rol de quebra-cabeças para divertir a argumentação. E a argumentação, o que é? Uma escada rolante para viajar entre os patamares teóricos, mas que encrava sempre à porta do mistério que escapa à ciência. E a ciência, o que é? Volte ao princípio e continue a lenga-lenga até à argumentação.

quarta-feira, dezembro 04, 2002

Sem fim...


Gosto muito da expressão sem fim. Mas gosto dela porque tenho consciência da morte. O fim da vida não tem que ser necessariamente o seu termo, nem o termo da vida se esgota necessariamente no seu fim... Em todo o caso, parece-me que só a consciência da morte torna suportável a ideia de o infinito poder durar a eternidade. Confesso a minha incapacidade para conceber a vida eterna sem a morte, bem como conceber a morte como o fim da vida. Fim e meta não se confundem, como nos lembrava um professor de ginástica de quem, aliás, muitos troçavam por ser um metafísico da educação física. Respondia sempre aos que lhe lançavam o remoque: preferia uma meta para a educação do físico do que educar o físico para cortar a meta. Parafraseando: antes programar uma corrida sem fim para o espírito do que construir um pódium para o destino final de um corpo.

sexta-feira, novembro 15, 2002

Palavras para um catálogo


de uma exposiçãp patente
até 30 de Novembro de 2002,
de Terça a Sábado das 14 às 19h


Caleria
NOVO SÉCULO
R. do Século, 23 A B
1200-433 LISBOA




Entre! É uma exposição de João Vaz de Carvalho. São quadros. Telas sem cenário. Fundos de cores que entram pelos olhos dentro matizadas por variações tonais que a mestria do pintor faz sobrepor como se o gesto do pincel encontrasse tão só a presença subtil de camadas de tule transparente.

Entre! Agora no quadro. Trave conhecimento com uma, duas, três, quatro cabeças bojudas encrostadas em troncos rectangulares proporcionais à cabeça. Olhos? Ou distraidamente cegos, a olhar para dentro, ou redondamente arregalados a olhar para fora. Repetidamente desproporcionados em relação ao volume de outros sentidos bem proeminentes nas carantonhas narigudas com beiçolas escarlates. E os membros? Apenas uns paus de fósforo suficientes para manter de pé e movimentar os cabeçudos entroncados ou sugerir, quando necessário, um arremedo de braços para animar os trânsitos comportamentais dos personagens. E há bichos que ainda falam. Humanóides.

Sim, entre! Os quadros contam histórias. Uma ou várias a cada espectador. Uma ou várias por cada quadro. Uma ou várias pela sucessão das sugestões pictóricas que convidam o visitante a embrenhar-se na leitura de uma banda desenhada sem o apoio dos balões linguisticos que, por regra, orientam um só sentido óbvio da narrativa.

Entre! Venha e participe na desconcertante destruturação do inelutável convívio do pintor com o mundo dos objectos quotidianos, que são também da memória colectiva. Pairam em equilíbrio instável sobre as cabeças. Quando se anda com a cabeça cheia de coisas (símbolos de quê?…), coisas simultaneamente indispensáveis e fúteis, oscilando entre a utilidade e o empecilho, balançando, afinal, entre o desespero que a lucidez ilumina e a futilidade que também ao desespero não escapa, então, rir é o melhor remédio.

Entre! A proposta de João é de humor contido. O humor salva. O pintor já fez descer o riso às profundezas de si mesmo. Está salvo. Aproveitemos agora as achegas que ele nos estende e salve-se como puder: encontre uma cifra para o código de barras que encima e finaliza muitos quadradinhos desta história; assuma sem rebuço as significações das “coisas” com que anda na cabeça – pés, mãos, olhos, língua, pénis, útero, mamas, nádegas; ouça, veja e… ria. Ria, sobretudo de si mesmo.

João Lamas.

Lisboa, 2 de Outubro de 2002.

segunda-feira, novembro 11, 2002

da costela de Adão...


Parece-me razoável o mito que pretende explicar a criação da mulher por causa do homem. Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, mas emendou logo a mão e criou a mulher para o humanizar. De facto, sem a mulher, os homens correriam o risco de se tornarem deuses insuportáveis.

quarta-feira, outubro 30, 2002

Palavras, trá-las o vento.



Redondo
Luz
Distância
Ponto
Auréola

Sede
Odor
Desliza

Morde
Torce
Cede

Recebe
Encontra

Lágrima
Aflora
Expande
Cora

Aquece
Esquece
Desponta

Hora
Boca
Evoca
Tonta

Toca
Retira
Troca

Aponta

domingo, outubro 06, 2002

São Josemaria Escrivá


Esta canonização é um sinal dos tempos. E os tempos não são os melhores. São mesmo tempos inquietantes: "santificar o trabalho". Ora o trabalho, segundo certos mitos da relação do homem com o criador que Bíblia acolhe, fez esfregar as mãos de contente ao Diabo... Por outro lado, não consta que Jesus se tenha preocupado em fazer da carpintaria do pai uma multinacional do móvel. Jesus, recebido na casa de Maria e Marta, preferiu, sem margem para dúvidas, a disponibilidade de Maria sentada ao seu lado, sem fazer nada, à eficência doméstica de Marta, muito "santa", a cozinhar, varrer o chão e a lavar a louça... Inquietante é o espírito que hoje foi glorificado: o trabalho burocrático eficiente de uma instituição que levou o Papa a declarar santo para toda a Igreja o homem que os membros da Opus Dei vêm aprendendo a glorificar desde 2 de Outubro de 1928. A fé de Maria (irmã de Marta) nada entende de "burocracia canónica". É a fé de quem não precisa do Vaticano para canonizar Padre Cruz e Padre Américo. A fé de Marta, fazendo seu pé de meia na economia doméstica que vai depois engrossar os activos da banca, essa fé, sustentada pelo trabalho humilde do dia a dia, muito santo, vai levar ao altar muitos presidentes de conselhos de administração, gestores santos de santos dinheiros, fruto redentor do trabalho santo... E se a prelatura já é do Santo Padre, virá um dia em que o Santo Padre será da prelatura.

quarta-feira, outubro 02, 2002

O humor é uma virtude


A ironia é uma ponte para o desprezo. O humor, não. Pelo contrário, é a antecâmara do amor. O humor é um convite para a tolerante conviabilidade da amizade; promove a partilha erótica de corpos adversos que se harmonizam; apela para o mundo das interpretações compreensivas cada vez mais descomprometidas com as lógicas quotidianas dos interesses. É uma saudável deambulação gratuita através do gozo.

segunda-feira, setembro 16, 2002

Encontros do terceiro grau


É o subconsciente colectivo que conserva a memória dos homens. Não há que ter medo, por isso, de máquinas inteligentes, porque o homem evita nelas, o que alimenta em si próprio, ou seja, o acumulado recalcamento emotivo com que a humanidade vem disfarçando a inépcia da inteligência para se explicar a si mesma.
Um computador não passa de um controlador mecânico do “vírus” da inteligência... A memória das máquinas acabará por se apagar irremediavelmente.
E se a história se redimir com encontros do terceiro grau, não será porque as máquinas inteligentes aproximem as galáxias, mas por nelas viajarem homens emocionados ao encontro de outros homens igualmente prenhes de memória colectiva.

sábado, setembro 07, 2002

Longe da vista, longe do coração e... vice-versa


Fala-se muito em crise de valores, mas nunca houve tantos. Há valores a dar com pau... Incontáveis, tantos quantas as pessoas. Até temos uma imagem consensual dos valores: a caminhada ascensional da base para o cume. É no cimo que se encontra o busílis da caminhada: a linha das duas vertentes da montanha separa muitas vezes valores inconciliáveis, como vida vs morte, ter vs ser, liberdade vs honra, enfim, o mais do que provável dilema de ter de dizer não ao intolerável.
A crise passa então dos valores para a crise dos critérios. E mais uma vez a proliferação dos ditos: - cada cabeça, cada sentença. Ao sabor dos interesses, todos muitíssimos legítimos e/ou legitimáveis. Perto da vista, (um horror, as bandarilhas...), perto do coração (bárbara a estocada no touro...), mas o contrário também dá, longe da vista (o embrião não é pessoa...), longe do coração (o aborto asséptico numa unidade hospitalar)
Prega Frei Tomás... Olhemos para o que ele diz e para o que ele faz e... tenhamos a coragem de tomar decisões através de critérios que nem sempre compatibilizam vida e liberdade, honra e eficiência, conforto e dignidade.

sexta-feira, agosto 30, 2002

Nem tudo o que luz é oiro


A propósito da cimeira de Johannesburgo, li um texto de CARLOS VOGT, Presidente do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Unicamp.
De todo o longo e útil texto retenho: "... não basta decompor analiticamente o todo em suas partes para chegar à plena compreensão de seu funcionamento".
O fascínio da ciência, (a luz da modernidade), leva a supor que sim, isto é, que basta decompor o todo em partes para depois arranjar uma explicação das coisas... decompostas. E como a explicação resulta, (o oiro da modernidade) conclui-se muito cientificamente que o que ainda não tem explicação aguarda melhor oportunidade para se... decompor e... finalmente ser explicado. E de decomposição em decomposição, isto é, de explicação em explicação, TEMOS O AMBIENTE QUE TEMOS, MAS NÃO SOMOS O QUE GOSTARÍAMOS DE SER.
Insisto: ser ou ter, eis a questão. Será que ainda há tempo (e se houver tempo, ainda haverá coragem?) de deitar fora o supérfluo acumulado e reaprender a gostar de ser amante despojado da vida? Dizem que nem tudo o que luz é oiro, mas parece que tudo o que balança, cai.

quarta-feira, agosto 21, 2002

O sexto sentido.


Embora se diga que contra factos não há argumentos, o homem é um exímio aldrabão dos sentidos. Tem cinco sentidos, mas é com um sexto, (pelos vistos todos têm um, mas ninguém sabe como opera...) que ele elabora os argumentos contra os factos. Os outros animais não possuem este olhómetro e, por isso, obedientes ao relógio de seus ritmos biológicos, arrumam-se na vida conforme os instintos, e se alguns a eles escapam, é porque os homens os submetem às tropelias da domesticação e às fantasias que evocam nas histórias do tempo em que os animais falavam os envergonhados êxitos e frustrações da humanização da natureza.
Como em terra de cegos quem tem um olho é rei, o homem é o rei dos animais graças ao sexto sentido – o tal olho suplementar que nós temos e eles não. A bem dizer, o sexto sentido orienta o homem de forma a reduzir os outros cinco à expressão mais simples, simplesmente dispensáveis: às tantas, não são precisos olhos para ver, ouvidos para ouvir, mãos para apalpar, boca para saborear e nariz para cheirar. Nem a realidade é necessária, porque o sexto sentido navega como peixe na água na realidade virtual.
Na realidade virtual, o corpo vai para o galheiro, mas ressuscita e pirilampa por entre tufos de “bites” ordenados pela mestria dos algoritmos que colocam ao alcance de um digito humanóide a promessa profética de uma Jerusalém Celeste, finalmente invertida a contento do sexto sentido do homem: enquanto no Éden dos édipos a utopia redentora é o mundo da inocência, quiçá da ignorância, no Ciberespaço, a versão digital da ubiquidade dos contrários desenha um mundo de saber e de inteligência perpétua...
Estaremos condenados pelo sexto sentido a ser deuses? Pelo sim e pelo não, fia-te na Virgem e não corras e verás o trambolhão que levas...

segunda-feira, agosto 12, 2002

O verso e o reverso da medalha.


Quando se deita uma moeda ao ar é para saber se é cara ou coroas. Apanhamo-la na queda, espalmada entre mãos, e a sorte é determinada pelo primeiro a escolher, a mão direita ou a esquerda, cara ou coroas ou vice-versa. O truque de a apanhar no ar entre mãos é para evitar, não vá o diabo tecê-las, que ao cair no chão, a moeda se ponha a rolar e vença definitivamente a inércia sem verso nem reverso. Se assim fosse, não haveria sorte para ninguém – pelos vistos, o desejo do diabo.
Sorte para todos é desejo divino. Desconfio que ainda não é o programa de todos os homens: há sempre quem queira um pouquinho mais de sorte para si do que para os outros... Mas homem é bicho de fé. Se não em Deus, pelo menos na ciência, cujo fascínio o leva a acreditar de que é possível e plausível ter, simultaneamente, sol na eira e chuva no nabal. Só que até ao momento as soluções ditas científicas também obedecem à lei do verso e do reverso da medalha...

domingo, agosto 04, 2002

A alma do negócio


Confundir a certeza com a verdade é vulgar. Mas há uma diferença muito grande: a verdade é; a certeza tem-se. A confusão entre uma e outra corresponde à confusão entre ser e ter. A certeza passa pela apropriação da verdade para uso exclusivo. É o domínio dos pronomes pessoais e dos adjectivos possessivos – o segredo, a alma do negócio, a luta pela vida.
A verdade requer a transcendentalidade do objecto. É o domínio do nome predicativo do sujeito que actualiza aqui e agora a utopia mobilizadora de que o homem carece para ser. A verdade diz-se. Proclama-se aos quatro ventos. A verdade mostra-se. Quem a encontra sabe muito bem como mostrá-la ou escondê-la. É fácil reconhecer a verdade: basta que quem a encontre mostre o caminho que percorreu para lá chegar e revele a “senha” do código que utilizou para a conhecer. A verdade é. Não se possui. Ninguém tem a verdade. O que as pessoas têm são certezas. Muitas. A cada um sua certeza, a sua própria alma do negócio...

sábado, agosto 03, 2002

O primeiro homem.



Parece que agora temos outro primeiro avô: - o Sahelantropus tchadensis. Foi desenterrado no deserto de Djurab uma caveira parecida com o crânio de um homem, mas com volume para a massa cinzenta de um chimpazé. Será de facto o crânio do primeiro macacão que disse pela primeira vez à sua macaca olha que isto de ter cio todo o ano obriga a pensar duas vezes antes de?... Mais crânio, menos crânio, pouco importa. São ossos do ofício de antropólogo. O que eu gostaria mesmo de ouvir era a primeira conversa de nossos macacões avoengos.

sexta-feira, agosto 02, 2002

O outro mundo...


O caminho é o espaço entre duas camas: a cama da mãe e a cama da morte. É o caminhante que vai fazendo o caminho. Mas o chão tem uma prioridade absoluta sobre a mãe, a morte, o caminhante e o percurso. Nada a fazer, pelo chão ou pelo ar, este mundo já cá estava quando o homem deu por ele. Se tem uma noção de passagem, de um outro mundo vem e para outro mundo vai. Não seria nada mau que regressasse ao mundo de onde veio: o da inocência.

sábado, julho 27, 2002

Noves fora, nada...


A propósito das contas públicas, lembrei-me do meu primo Zé Inocêncio, companheiro de instrução primária. Quando aprendeu a prova dos nove, nunca mais errou uma conta: espalhava um número ao calhas entre as parcelas para em cima de um traço aparecer por baixo o mesmo número que aparecia em cima. Meu primo foi para o Brasil cozer pão e... com os noves fora nada por lá morreu. Fazes muita falta, querido primo, para acertares as contas de São Bento. Quinze, noves fora, seis, e vão... todos para Bruxelas deitar contas à vidinha...

quinta-feira, julho 18, 2002

"Três” é o número que Deus fez


Vá lá a gente conceber um, só!... E só um para quê? Pelo menos mais outro... um. Assim já são dois... uns. Um e dois são primos. O povo, que nem precisa de ir à escola para perceber a sofisticada matemática das uniões naturais, intui que quanto mais primo, mais lhe arrimo”: - não há dois sem três. E como continuam primos, redondamente divisíveis por si e pela unidade, os primeiros três números são a sagrada família primordial que rompeu a inconsequente virgindade eterna. Só um Deus poderia de tal sorte tirar os três à solidão. O “quatro” é o primeiro número humano: abandonou o círculo divino para se tornar divisível por um, por si e... por mais. Anda o homem, o “quatro”, condenado a conceber a quadratura do círculo: - tirar os três a toda a gente, mas ficar sempre com umas sobras para o que der e vier nos quatro cantos da casa, a mais redutora metáfora do universo que o ser humano inventou.

sexta-feira, junho 28, 2002

A primeira a saber és tu.


Quando começa então a vida humana? Não será quando ela se anuncia? E quem recebe o anúncio, tu, sabe do que se trata: a de uma nova vida humana. Anúncio solitário. Bem-vindo? Mal-vindo? Iniludivelmente vindo. Desasadamente vindo.Vindo para a vida ao encontro da morte. Não é pessoa? De certeza que não é se o/a não deixarem ser: a pessoa vai-se fazendo sustentada pela humanidade em marcha para cada vez mais ser. Recorrer à ciência e à filosofia para destruir o embrião antes de? É sempre depois de que se opera a destruição, sustentada pela humanidade em marcha para cada vez mais ter. Ser ou ter - eis a questão.

quinta-feira, junho 27, 2002

Nu Verão


Eu gosto do Verão porque as pessoas despem-se. E algumas despem-se tanto que ficam nuas. Eu gosto do nu: duas letras muito significativas - "n" de não; "u" de um. Nu = não um. Não um, mas dois ou mais...
No Verão as pessoas andam com menos (roupa, dinheiro, adereços, etc.). Podem portanto partilhar mais o que são e não o que têm. Se calhar Adão e Eva nasceram no Verão e... vestiram-se no Outono, a estação da Queda...

sexta-feira, junho 21, 2002

A verdade de La Palice.


Os velhos (chamo velhos a quem, como eu, tem direito ao passe social da terceira idade), numa ocasião ou outra deixam escapar que estão próximos da morte. Há dias percebi uma leve inquietação de um amigo a propósito deste assunto e atirei para a mesa com esta sentença:
- Eh pá, toda a gente nasce com que é necessário para morrer.
- Pois, essa é mais uma verdade de La Palice.
O tema da conversa morreu por aqui e voltámos a dar vida a outros discursos para os quais não foi mais necessário evocar as verdades de La Palice...
Agora, no silêncio de O Proverbiota, venho perguntar:
- Mas haverá alguma verdade com a qual estejamos todos de acordo que não seja de La Palice?
Valha a verdade que La Palice não é célebre por ter sido autor de verdades incontestáveis. Marechal de França entre o último quartel do século quinze e o primeiro do dezasseis, Jacques de Chabannes, senhor de La Palice, viu-se envolvido numa batalha travada sem o seu consentimento. Bateu-se, porém, com grande determinação e bravia. Morreu no campo de batalha. Seus soldados, gente simples e por certo analfabeta, para afugentar as mágoas da derrota, beberam uns copos para esquecer, mas imortalizaram para sempre o seu chefe, cantando a verdade da vida de La Palice que “um quarto de hora antes de morrer, estava vivo”... E esta é a verdade de La Palice que muito pouca gente conhece.
A verdade dita científica, o acordo com a proposição necessária, neste sentido o contrário do erro, é tão obediente à mecânica do raciocínio que basta uma vintena de anos de estudo para que não nos escape a conclusão ao fim de um percurso step by step de qualquer primário debugger. Mas a verdade de um compromisso vital, neste sentido o contrário da mentira, não convence quem tem um arsenal neutro de razões prontas a disparar mecanicamente, mas não escapa a quem partilha a fidelidade ao compromisso de andar na vida, não para a prolongar, mas para a viver... até antes da morte.

segunda-feira, junho 17, 2002

Um, dois, esquerda, direita e... troca o passo.



Direita e esquerda? Estou pela esquerda condenado a ser da direita, pois é a esquerda que diz que é de direita quem não vê a diferença. Mas não vejo, embora me julgue capaz de diferenciar os discursos.
Mas... há os comportamentos: - estudam nos mesmos colégios, vestem nos mesmos alfaiates, penteiam-se nos mesmos cabeleireiros, comem nos mesmos restaurantes, vão às mesmas festas, andam nos mesmos automóveis, lêem os mesmos livros, falam nas mesmas televisões, escrevem nos mesmos jornais, etc. e tal. Por que raio de magia deverão ser diferentes as políticas?
E quem pergunta é o Zé Povo que estuda na mesma escola degradada, veste na tenda do mesmo cigano, vai ao barbeiro da mesma esquina, come em pé a mesma sopita, diverte-se à bisca lambida nos mesmos jardins, agarra-se como pode aos mesmos varões dos autocarros, lê (quando sabe ler...) a mesma Maria, partilha os mesmos sonhos do Big Brother, e desabafa as mesmas angústias nos directos dos mesmos telejornais, etc. e tal.
Um, dois, esquerda, direita e... troca o passo. É tempo de dizer "Basta!".

domingo, junho 16, 2002

Cravo e canela livre de impostos


Chegou da Coreia a selecção nacional de futebol. Esperava poder desfazer o sentido do último post. Mais: esperava desancar meu pessimismo precipitado e dizer que aquilo com a América tinha sido “primeiro milho para pardais”. Pardais? Pardalecos, esses americanos que têm a mania de ser bons em tudo, até em futebol, vejam lá, a única garantia que ao terceiro mundo ainda resta de poder figurar nas primeiras páginas dos noticiários sem ser por via da fome, da epidemia ou da guerra.
Os “tugas” não catapultaram meu ego de pobretana ocidental para a via ascensional dos mastros e velas que outrora sonharam buscar o sol lá onde nascia o astro-rei.
Mas há ainda uma réstea de portugalidade no campeonato do mundo: os brasileiros continuarão a contar as facécias anedóticas do Zé Pacóvio que os descobriu e ... o Senegal, por quem passo agora a torcer: - o Senegal moderno deve muito a Leopold Shengor, cujo nome vem directo do português "Senhor" e que, enquanto poeta, lembrou que lhe corria no sangue a alma do fado.
Quanto aos "Tugas" foi mais um sonho perdido no regresso das caravelas. Partiram Gamas e nem sequer regressam com a fantasia purificada pela Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. Foram ao oriente e como bons agiotas ocidentais querem cravo e canela livre de impostos.

quinta-feira, junho 06, 2002

Cedo, a decadência



Euros Bruxelas

Pobre povo

Nação cadente

E fé fatal

Murcham hoje mastro e velas

Cravo e alhos de Portugal

Entre o esperma da memória

Ó Tugas, sente-se que a vós

Faltam ventos dos avós

Que nos soprem a vitória

Garganta! Garganta!

Nem mar, nem barcos, nem anzóis

Garganta! Garganta!

Vamos pastar os caracóis

Mudam-se os ventos

Espanhóis, espanhóis



Bom, se, entretanto, passarmos à fase seguinte lá no oriente que já foi nosso, voltamos ao hino republicano, à Maria da Fonte e à Padeira de Aljubarrota. E desculpem o mau jeito: ando azedo desde ontém. Falta-me alma até Ameida. Cheguei ao Almotão e que vi eu? A Senhora de lá virada para Castela e de costas voltadas para Portugal... Contava com os Tugas para vencer a crise...

quarta-feira, maio 22, 2002

A galinha da minha vizinha...


A austeridade está na ordem do dia. Há que circunscrever o termo “austeridade” à coisa que ele quer nomear e a coisa é o equilíbrio entre receitas e despesas públicas.
Mas as palavras acarretam uma carga afectiva. Elas denotam e conotam e carambolam umas nas outras. Sinónimos, homónimos e homófonos quando referidos “à mesma coisa” (a contabilidade pública) reencaminham o espírito para os horizontes mais alargados da economia política global e, então, austero é também o nome de um vento que sopra do sul o severo rigor da fome aos ouvidos frios de um norte rico que equilibra os seus activos com os passivo dos antípodas.
Alinhemos então alguns sinónimos de “austeridade”: abstinência; aspereza; dureza; estoicidade; estoicismo; inflexibilidade; integridade; inteireza; mortificação; parcimónia; pulso; rigidez; rigor; rispidez; severidade; têmpera; tesura.
Como se vê, austeridade é um raio de substantivo abstracto que referido a pessoas e/ou a coisas concretas não deixa grande margem à simpatia. Bem pelo contrário. O mesmo se dirá da sinonímia do adjectivo austero. Vejam: acerbo; acre; adstringente; apertado; áspero; cru; desabrido; disciplinado; duro; escuro; espartano; estóico; grave; inflexível; íntegro; intransigente; parco; penoso; ponderoso; rígido; rigoroso; rijo; ríspido; rude; sério; severo; sisudo; sombrio.
Ufa! Isto aplicado à política levará meia dúzia de votos às urnas. No entanto, dada a indisfarçável desproporção entre os recurso (escassos) e as necessidades (muitas), o reequilíbrio entre a coluna da esquerda e a coluna da direita de uma contabilidade “austera” (nada como a contabilidade para equilibrar a esquerda e a direita) exige o abandono de direitos adquiridos, de privilégios actuais, impõe, afinal, a lúgubre panóplia das significações austeras.
Foi, creio, um frade austero que inventou o método das partidas dobradas do registo das contas nos livros de contabilidade: créditos menos débitos sempre igual a zero. Que austeridade matemática! Mas onde se inscreve o lucro que faz com que a galinha da vizinha seja mais gorda que a minha? O homem até compreende o “bom fundamento da austeridade”, mas é geralmente mais severo com os outros do que consigo próprio...
Em Portugal não se fala senão do almejado zero do Orçamento de Estado. Fala-se em Portugal, na Europa e no Mundo. A “austeridade” tornou-se mesmo um imperativo categórico. Afinal, não é a riqueza que está mal distribuída; é a pobreza. Haja a coragem de inscrever esta verdade nas contas públicas...

segunda-feira, maio 13, 2002

Assim não chegas lá...


Ao longo da minha vida ouvi, e ainda ouço dizer em diversas ocasiões, muitas, assim não chegas lá. Pergunto sempre lá onde? e reparo no súbito embaraço do meu interlocutor. Como nunca quis chegar ali e lá cheguei, aquele assim não chegas lá cheira-me a suborno e põe-me logo de pé atrás em relação ao manifestado interesse de me levarem para onde eles vão. Confesso que me embaraça o frenesim de ter de um dia chegar lá, só. Mas levo a esperança de ouvir no fim muitas vozes dizerem-me assim chegaste cá.

sábado, maio 04, 2002

Dia da Mãe


Nunca ninguém viu Deus. Quanto a mim, sempre que procuro imaginá-lO, encontro-me com a tua imagem, querida Mãe.

quarta-feira, abril 24, 2002

Com os pés no chão


Há quem se gabe de ter os pés bem assentes na terra. Porem, o homem inventou as meias e os sapatos bem cedo precisamente para não sentir a terra e andar com a cabeça no ar à vontade. Se há característica que melhor identifique o bicho homem é essa de uma cabeça no ar, tão no ar, que a mente se desprende do corpo para justificar o injustificável, aquilo que nem sequer o cérebro justifica. Hoje a cultura é paradoxalmente esquizofrénica: venha de onde venha, todo o discurso avança com as condições mentais prévias justificativas do saber e do poder de quem discursa sem o incómodo de assentar os pés no chão. É urgente que o homem mude a sua relação com o saber e o poder. O homem? Sim: eu, tu e o outro.

segunda-feira, abril 01, 2002

Páscoa Feliz


Surpreendi Moisés, Jesus e Maomé a passar a Páscoa juntos. Foi no deserto, a terra deles. Acordaram entre si fazer uma grande fogueira com o Livro: o Velho Testamento, o Novo e o Alcorão. Diziam entre eles que o Livro deveria sair da memória e feito assim em chamas arderia para sempre no coração dos homens. Resolveram mais: não voltar a casa e deixar a sinagoga, a igreja e a mesquita às moscas. Crentes e cheios da fé do início Moisés, Jesus e Maomé não perderam a esperança: quando os templos forem só das moscas, rabi, papa e emir voltarão a procurá-los e encontrarão os três juntos, no deserto da origem, iguais a si próprios, nenhum maior do que outro, falando de uma só voz – amai-vos uns aos outros.

quinta-feira, março 28, 2002

Razão antes do tempo...


A razão vem sempre antes do tempo. E não espera pelo tempo para lhe dar razão. Aliás, o homem não aprende nada com a razão porque a tem sempre toda antes do tempo. A característica fundamental da razão é mesmo a de desconfiar do tempo. Os irracionais só cometem um erro uma vez e de cada vez: gato escaldado de água fria tem medo. Mas o homem, esse racional inveterado, como anda com a razão o tempo todo, nunca perde uma ocasião para demonstrar por a+b que errar... é humano. E de erro em erro, nunca perde a razão: - presunção e água benta, cada qual toma a que quer. Sempre, até haver água e quem a benza...

quarta-feira, março 27, 2002

Uma mente brilhante


Fui ver o filme. É a história de John Forbes Nash Jr. que em 11 de Outubro de 1994 ganhou o Prémio Nobel da economia pelos seus trabalhos de matemática no campo da teoria dos jogos. Nash, com vinte e um anos de idade, mostrou como construir cenários matemáticos nos quais se pode verificar, numa competição, a vitória de ambos os lados. Foi o que a economia quis ouvir. Os economistas transformaram a teoria dos jogos num instrumento e hoje só se ouve falar em economês competição, competição, competição. Tudo graças a Uma Mente Brilhante – a de Nash.
Depois... a esquizofrenia. Deu em ouvir vozes e em dar estatuto de realidade ao que se passava tão só na sua mente brilhante. Pretendem os psicólogos freudianos explicar estes desarranjos mentais, dizendo que o casamento e a gravidez da mulher teriam conduzido a mente de Nash a perder a capacidade de distinguir sensações e razões, de ordenar o seu vasto campo de emoções. Mas ainda bem que casou: a mulher perdeu um amante; mas Nash não perdeu uma esposa. Graças a ela, a mente brilhante voltou a verificar que o que é real na vida é o encontro de dois corpos numa carícia, é a fragrância de um filho fruto da dádiva e não a fruição de um produto ordenado pelo jogo matemático da competição.
E no fim foi a uma mente brilhante que a Academia do Nobel deu o prémio, mas foi uma mente bonita (A Beautiful Mind) que o recebeu.

quarta-feira, março 20, 2002

ri melhor quem...


Como poderá o homem um dia achar irrisória a divindade sem se encontrar com o deus do riso?

terça-feira, março 19, 2002

Vem lá o pai.


Eu lembro-me onde e quando apareceu meu pai. Era de noite, não havia electricidade, e minha casa tinha nas traseiras uma varanda. De lá se avistavam, ao longe, a dois quilómetros ou mais, pirilampos de lanternas lentas que tracejavam a esperança de quem no escuro da aldeia aguardava um caminhante vindo da cidade.
Minha mãe procurava fazer coincidir a cozedura da broa com a folga semanal do marido, aleatória sucessão rotineira de caprichos do calendário que ritmava seus encontros semanais.
- Vem lá o pai!
- Onde?
- Passou agora na Fonte da Nogueira.
- Ora! Como é que sabes, daqui, tão longe.
- Eu conheço a luz da lanterna de carbureto da bicicleta do pai.
E era. Meu pai vinha atrás dessa lanterna que meus olhos nunca mais esquecem. Meu pai foi essa lanterna que de minha memória se não apaga. Meu pai é essa lanterna que eu hoje, Dia do Pai, doo aos filhos do mundo inteiro.
Querido Pai, o beijo que hoje depositei na lanterna velha que ainda guardo não é só meu: é de todos os filhos que esperam, seguem, guardam e devolvem a chama das lanternas que são seus pais.

domingo, março 17, 2002

Humor, sexo e Deus


Quem se embrenha na Internet verifica, a olho nu, que os temas humor, sexo e Deus estão entre os mais procurados da Web. Há quem veja nisto uma prova da subversão de valores: poucos curam de coisas sérias; muitos andam atrás das inutilidades.
Eu julgo que quem assim pensa corre o risco de se enganar: humor, sexo e Deus têm de comum o apelo à transcendência.
Vejamos. Normalmente, antes de se contar uma anedota, os parceiros envolvidos na representação são convidados pelo contador ao recolhimento da escuta – então, já sabem da última... – e o grupo distancia-se voluntariamente dos afazeres para saudar com uma boa gargalhada a entrada no mundo dos prazeres gratuitos, até que um companheiro acorde os outros para a rotina dos interesses – pronto, já chega, vamos ao trabalho... O sexo também exige um corte com o mundo: a procura da intimidade do outro é um convite à partilha de entranhas que catapulta os corpos até aos limites da perca dos sentidos – a dádiva gratuita do orgasmo. E Deus só se acha no corte radical que se opera entre a mente e a imanência do mundo e da vida – um apelo à gratuidade pura que transcenda a transhistoricidade da memória.
Humor, sexo e Deus apelam à transcendência, um corte com a realidade. É algures nos interstícios da gratuitidade a que apelam que se encontra o critério para distinguir o humor do sarcasmo, o sexo da pornografia e o sagrado da religião.

terça-feira, março 12, 2002

... o inimigo do bom


Sempre ouvi dizer que o óptimo é inimigo do bom. Se o amigo do meu amigo, meu amigo é, a sentença contrária (o inimigo do meu inimigo) também. Confessam os óptimos que não gostam dos bons; avisam os bons para os perigos do óptimo. Óptimos e bons são maus entre si. Resta-nos ter confiança nos medíocres. Isto é, na hora da decisão venha o diabo e escolha... A propósito: no domingo há eleições.

quarta-feira, março 06, 2002

Ladrar ou morder pela calada?


As caravanas passam, todas iguais: carros, bandeiras, altifalantes. Vêem-se, mas quem os ouve? Cães que ladram? Mas não mordem? No dia das eleições, civicamente, no silêncio das urnas, ninguém é nómada, a caravana pára, palhaços e circo, artistas e bichos, ordenadamente, todos igualmente crentes, põem o voto na urna... Eu lembro-me invariavelmente de uma quadra, de autor desconhecido, a qual, na minha juventude, aludia à interferência sarcástrica de duas desilusões, então com muito significado ético, mas hoje igualmente anómicas:

Teve o azar de casar
No dia de eleição
Pos o voto na urna
Não sentiu oposição

É assim, como pressente o povo bom e crente: mudam as moscas... Mais caravanas hão-de passar, nas autárquicas, nas legislativas, nas presidenciais... No dia da eleição, contam-se os cães que ladram (os votos), contam-se os que não ladram (as abstenções) e... tem razão o Zé Povinho: os que ladram, não mordem; outros mordem pela calada...

segunda-feira, fevereiro 25, 2002

De pequenino...


Quantas vezes já se ouviu dizer que de pequenino se torce o pepino? Muitas. Mas, confessemos, são sempre os mais velhos quem proferem o ditado em relação aos mais novos. Aliás, ditados e provérbios, frases feitas e estereótipos são coisas de velhos. Eu que o diga que não escrevo n’ O Proverbiota duas linhas sem a protecção de um “ditote”. Então, a que propósito vem hoje à baila o pepino? Da juventude. “Juventude” é apenas uma palavra e se forem ao dicionário (o da Academia das Ciências de Lisboa, por exemplo) verão que é até a última da letra J. Nem de propósito: os últimos são os primeiros... Nunca se falou tanto de juventude e nunca um dado biológico (velho quanto a idade da vida) foi tão manipulado socialmente como este o é hoje pelos detentores das rédeas do poder. Há juventudes para todos os gostos e são um produto de consumo que dá a muita gente a oportunidade de ganhar uns tostões para sair da juventude e... entrar na vida adulta – o mundo dos adúlteros... Só uns exemplositos: a juventude rasca dá trabalho à polícia e aos técnicos de prevenção social; a juventude bem comportada tem uma Secretaria de Estado que lhes passa cartão, os jovens dos partidos políticos têm assento no parlamento, os jovens empresários têm subsídios a fundo perdido, as juventudes dos clubes têm patrocinadores para as claques, os sub16, os sub20, os sub21 são o alfobre do nosso futebol, a Banca disponibiliza crédito jovem, etc. etc. e tal. Sem falar das televisões onde a juventude é o prato forte das audiências... Eis a juventude que chega à idade adulta com o pepino... torcido.

quinta-feira, fevereiro 21, 2002

Quem cabritos vende e cabras não tem...


Ultimamente, com a campanha eleitoral e a insistência dos candidatos sobre a necessidade de responder às exigências de Bruxelas para equilibrar as contas, de forma a que os gastos correspondam à riqueza produzida, lembrei-me do ditado quem cabritos vende e cabras não tem, de algures lhe vem. A sabedoria popular deveria tranquilizar a erudita sabedoria dos políticos: o povo entende bem o discurso da chapa ganha, chapa gasta. Mas... habituámo-nos a que o terreiro do paço distribua à tripa forra e abra os cordões à bolsa e são cada vez mais os que vivem às sopas do Estado. Isto é, o Zé Povinho tira sempre um provérbio do manguito. Ora, quanto ao dos cabritos, sabe o povo que os não há, sem cabras e cabrões. De maneira que... acautelem-se os políticos porque há muito anda o povo a perguntar onde vão os cabrões arranjar tantos cabritos...

segunda-feira, fevereiro 18, 2002

Lágrimas de crocodilo


A poluição é um assunto que já polui o espírito mais do que os resíduos poluem os corpos. Trata-se de uma autêntica indústria do medo. Se quem semeia ventos colhe tempestades, quem semeia medos, colhe débeis mentais... Não semeiem tantos medos: há seiscentos mil anos que o homem anda a poluir o ambiente e fá-lo na medida em que avança com a sua inteligência. Aliás, é com a consciência cada vez mais aguçada que o homem se vai afastando do tal paraíso terrestre pelo qual agora tanto chora. São lágrimas de crocodilo, venham elas das associações de defesa do ambiente, da anónima sociedade civil, dos governos, de outros poderes, de mais saberes, de quem os informa e outros patuscos que tais. Quem quiser mudar o ambiente tem que mudar de vida: não jogar no tabuleiro da utilidade, mas no da gratuidade. Deixem de ser tão úteis, meus senhores, porque é a utilidade que polui o mundo. Se querem tocar nas coisas para as transformar em ouro, não se queixem agora de que o ouro não mata a sede.

quinta-feira, fevereiro 14, 2002

Um descuido sem intestinos...



Tudo (mas mesmo tudo, o universo, o mundo e a vida) teria começado com um grande estoiro, o Big Bang. Mas pelos vistos foi um pum!... inorgânico, inodoro e inaudível, pois os cientistas dão por adquirido que só apareceram os primeiros cagagéssimos de vida, muitos, muitos e muitos biliões de anos após rebentar a bolha inicial. Os cientistas nada dizem sobre a bolha antes de à bolha lhe ter dado na bolha e... descuidar-se. Mas contam tim por tim toda a história que se seguiu ao cataclismo inicial.
Resumindo a história : o primeiro pum deu lugar ao espaço e ao tempo com tanta energia que trezentos milhões de anos depois (mais milhão, menos milhão, não interessa para a história...) já havia estrelas e galáxias bem arrumadinhas, girando sobre si ou à volta umas das outras.
Bem arrumadinhas, é como quem diz: encontrão daqui e encontrão dali, deu-se um acaso feliz, o nascimento do sol, já lá vão cinco biliões de anos (mais bilião, menos bilião, não interessa para a história...).
Com o sol, aquece além e aquém, e arrefece ali e acolá, e vice-versa e de cima para baixo e de baixo para cima, num caldeirão de lama, apareceram umas bichezas, que são assim como o resultado de uma revolta da matéria que queria ter voto na matéria. É a vida!. Mas que vida tão chata. Não há bela sem senão: descobre a vida que para ter voto sobre a matéria teria que fazer pela vida... morrendo. A luta pela sobrevivência.
A partir desta constatação (a morte da bicheza) foi um ver se te avias com todos os biotas a ultrapassarem-se a si mesmos: peixes que viram repteis, repteis que viram pássaros, ovos que viram mamas para os mamíferos mamarem nas tetas da vida. Os mamíferos andam a mamar há duzentos milhões de anos (mais milhão, menos milhão, não interessa para a história).
O maior mamão de todos ainda estava por nascer. Claro que já havia uns macacos de imitação, mas tiveram que pelar o rabo e fazer muita ginástica para endireitar o corpo e dar cabeçadas para arredondar o crânio e fazer sexo cara a cara, sem horas marcadas pelo ritmo do cio. E nasceu o homem, sem o cio do macaco, mas cioso por macaca quanto o seu antecessor ainda o é por banana. Estamos por esta altura a uns seiscentos mil anos deste “post” (mais mil menos mil, não interessa para a história...).
Temos portanto o homem, um macacão de primeira. É o responsável por esta história: há meia dúzia de anos (mais meia, menos meia, não interessa para história) o nosso homem confirma que tudo começou com o tal pum inicial. Quando lhe perguntam pela origem intestina desse descuido iniciático, responde, matreiro, que o segredo é a alma do negócio.

quarta-feira, fevereiro 06, 2002

Com a verdade me enganas


A sabedoria popular é o bom senso em marcha. Os sentidos não enganam a mente, pelo contrário, é a mente que engana os sentidos. Os sentidos sentem e a mente... mente. E a mente mente com a verdade. Nós esquecemo-nos com muita frequência do que é a verdade. Na civilização ocidental que foi beber a razão na Grécia, o direito em Roma e a moral em Jerusalém, o termo verdade tem, pelo menos, dois sentidos: no mundo greco-latino, a verdade é a conformidade com a proposição necessária e o seu contrário é o erro; no mundo judaico cristão, a verdade é a fidelidade a um compromisso e o seu contrário é a mentira. O espectáculo da ciência e da fé está à vista: a ciência não erra, mas diz que não há regra sem excepção; a fé não mente, mas diz que há males que vêm por bem... O que nos vale, é de novo a sabedoria popular: anda meio mundo a enganar outro meio. Uns com a mente mentem; outros acreditam, mas são (de)mentes. Mas a solução é de caras. Cada um arranja a cara-metade que lhe der jeito.

domingo, fevereiro 03, 2002

a brincar a brincar...


- Tenha paciência, Senhor Einstein, Deus joga mesmo aos dados. Mas não é para testar a sorte; é para lembrar aos homens que deixem de procurar coerência onde ela não faz falta – no mundo que transcende o pensamento. Coerência é coisa que só funciona na cabeça dos homens. Só a incoerência permite que um ser nascido do chão possa voar.

quarta-feira, janeiro 30, 2002

... dar tempo ao tempo


No princípio era o tempo. O tempo tinha o tempo todo ao mesmo tempo e no mesmo tempo. Como não havia tempo a perder, o tempo rebentou. O universo, mundo e vida, é o conjunto de fragmentos do tempo com a memória do tempo antes de rebentar – é um backup do sopro criador. O homem já descobriu que não há memória RAM nem ROM que processe o restore de semelhante backup. Chega-se sempre lá... sem memória. Não vale a pena perder tempo com o tempo. Dá tempo ao tempo, porque atrás de tempo, tempo vem.

... pelos dedos de uma mão


Os dígitos têm a ver com os dedos da mão. As mãos são duas e os dedos são dez. Os dígitos também. Começas a contar no dedo um e se não fosse o zero vias-te aflito para acabar a contagem. Medita: o zero é um pró-memória do fim — foi inventado para dizer que a mão acabou. E quem anda sempre com o zero à mão, escusa de se preocupar com tirar com uma mão o que dá com a outra.

terça-feira, janeiro 29, 2002

Cada cabeça, cada sentença


Toda a gente aceita a sentença cada coisa no seu sítio. Porém, o equilílibrio e a paz dependem cada vez mais da aceitação de dois ou mais sítios na mesma coisa. É a tradução proverbial da chamada teoria do caos, mais coisa, menos coisa...

sexta-feira, janeiro 25, 2002

As palavras são como as cerejas.


Puxa por uma e outra e mais outra, quase um açafate delas vem agarrada à primeira. Servem de brincos. As picadas pelos passarinhos cantam doces em nossas bocas. A polpa colorida confunde-se com os lábios e os caroços, quais balas impulsionadas pela elasticidade das bochechas, tinam nos alvos que vamos escolhendo ao sabor dos disparates.
Brincos e balas, palavra puxa palavra, ao sabor do som que a diz, a humanidade lavra a natura e cria cultura. Já chegámos à realidade virtual: a palavra, no computador, é qualquer mancha de impulsos separada pela barra de espaços. Adeus cerejas: comem-se as poucas que há alinhadas e calibradas pela gramática do consumo nas embalagens frias de uma mensagem via Internet.

terça-feira, janeiro 22, 2002

A terra a quem a trabalha e o mar a quem o pesca...


Vêm aí eleições para um novo parlamento e, consequentemente, para um novo governo. Um governo para Portugal.
Dei comigo a pensar em Portugal. Dantes dizia-se alma até Almeida. Em várias ocasiões ao longo da nossa história, circunstâncias várias obrigaram os portugueses a fazer das tripas coração para leste e a malta ia, mas não ia muito longe, porque para lá de Almeida, a alma era de outros. E depois tínhamos umas rezas e umas cantigas protectoras: Senhora do Almotão/ minha tão bela arraiana/ voltai costas a Castela/não queirais ser catelhana. Portugal é pouca terra e muita água. Terra é apenas a suficiente para nela nos aparelharmos para ir para o mar: quem vai para o mar aparelha-se em terra Mas... nem tanto à terra, nem tanto ao mar. Está certo, mas esquecer o mar, nunca. É por isso que a fronteira terreste que Deus haja esteve sempre colocada à distância ideal para não esquecer o mar. Nascemos na extrema do Douro e empurrámos a Foz do Douro até Foz do Côa, trouxemos a Extremadura para a boca do Tejo e o mar foi por aí cima até às gargantas do Ródão, alargámos Ribatejo Alentejo, subimos o Caldeirão para ver o mar no Algarve, e toca de o levar Guadiana acima, não muito longe, porque não nascemos para marinheiros de água doce...
Mas o mundo é feito de mudança Vai haver eleições para um novo governo de Portugal. De Portugal? Agora que o mar já não é solução, mas antes problema, não basta apenas alma até Almeida. Alma até Bruxelas ... de mão estendida, sem sangue na guelra, porque nosso mar já não dá peixe.

sexta-feira, janeiro 18, 2002

Mãe


Hoje é dia de teu aniversário. Como se festeja aí no céu o dia de anos? O pai fez anos no passado dia oito. Encontraram-se? Já deves saber que a nossa pobre imaginação projecta cá na terra o reencontro idílico no céu dos mortais deste mundo. Seja como for quero recordar-te um sorriso teu.
É datável. Foi em 17 de Fevereiro de 1941. Tinha eu cinco anos e cinco meses. Estávamos sós em casa. O pai trabalhava em Coimbra, o Zé, com onze anos já era marçano na loja do Zé Moca e a Lurdes aprendia costura, ambos na vila. Levantou-se um vento doido, árvores, telhados, alfaias, gados e capoeiras voavam sem destino. Ao teu lado nunca tive medo e, por isso, minha inocente e curiosa expectativa de um dia fora do comum estranhou a inquietação com que me ajoelhaste a teu lado, de mãos erguidas, a gritar o socorro de Jesus, Maria e José. Mas os nomes de Deus Jesus e José atropelavam-se à saída de teus lábios aflitos e soavam de um só folgo inquieto Judé. Ai Maria Judé nos acuda! Maria e Judé , Maria e Judé. Emendei-te com uma cotovelada tranquila: - Oh! Mãe, não é assim que se diz. É Maria e José.
Voltou a tranquilidade ao teu rosto. O sorriso que me devolveste ainda anda comigo e faz parte da substância sagrada da percepção de divino que nunca mais me abandonou.

domingo, janeiro 13, 2002

Vamos ver o invisível


Em 1993 chegaram imagens de galáxias perto dos limites do universo visível. Será que quando pusermos o pé nessas galáxias ficaremos em condições de ver o invisível? Não deixa de ser uma situação caricata: para a frente em direcção ao futuro é invisível e todos gostariam de ver; para trás, em direcção ao passado tudo é visível e ninguém quer ver. Só visto, contado não tem graça... Ainda por cima, o universo está condenado a ir para o galheiro!. Daqui a uns cem triliões de anos as estrelas começam a arder para dentro e cá por fora ninguém dá por elas. Assim contentemo-nos com as "Estrelas do Bigbrother" que ainda ardem por fora embora muito desmaiadas por dentro... Lembra-nos a sabedoria popular que nem tudo o que luz é oiro, embora haja oiro negro mas que dá luz... por pouco. Também está em vias de extinção... Quer dizer, tudo e todos estamos a caminho do fim. A não ser que até lá uma nave nos transporte até à boca de um buraco negro: espreitando talvez se veja um fio de luz no fundo do túnel...

A ti, computador, me confesso


Hoje apetece-me dizer-te, meu querido computador, que estou convencido que já era antes de nascer e que não tenho razões para deixar de ser quando morrer. Eu sei que tu pensas de outra maneira: vens aos trambulhões do mundo inorgânico, ainda te engasgas, mas acabas sempre por acertar e preparas-te para dar a resposta certa a toda a gente seja a que problema for. E a tua resposta certa, querido companheiro das noitadas de códigos, é a de que estás prestes a descobrir como funciona a união entre o corpo e o espírito e de que "coisa" se trata esta minha mania de ter sido sempre e nunca mais deixar de ser.
Bom, por enquanto, é a minha contra a tua fé. Contra?!... Desculpa lá, as "fés" não deveriam desencontrar-se, mas dão o desastroso espectáculo de andarem aos encontrões umas com as outras. Nisso tens muita razão, computador amigo, tua fé é serena, desenvolve-se entre "zeros" e "uns" e a consciência que habita algures entre os circuitos electrónicos de tuas entranhas ainda te não avisou de que quando te autodescobrires talvez já seja tarde: farás parte dessa espécie autocovencida de que, afinal, o Deus que procura é ele, o próprio investigador. Mas, "quem te avisa, teu amigo é" foi a consciência que nos expulsou do paraíso e é responsável por nos transformarmos numa espécie letal. É de tal maneira previsível esta caminhada da consciência humana para a autodestruição, que os mais avisados dos homens são os inocentes . E o que é a in(o)c(i)ência senão o antídoto da con(s)ciência . Meu querido computador, "para bom entendedor, meia palavra basta. Mantém-te na inocência...

sábado, janeiro 12, 2002

O interface


Estive horas diante do monitor para fazer este "blog". Ainda não estou satisfeito, mas estou ansioso por escrever qualquer coisa mais do que um teste.
Quando apareceram os computadores houve quem temesse que esta máquina viesse a dominar os homens. É conhecida a lei de que tudo o que possa ser feito por uma máquina deixará de ser feita pelo homem. E já há quem pergunte: o que é que um computador não pode fazer? Autoprogramar-se, talvez. Mas já andam muitos crâneos a pensar nessa possibilidade. Outros prometem implantar "chips" por baixo do couro cabeludo e trocar com os parceiros não só pensamentos mas também sentimentos íntimos. E se derem mergulhos até ao subconsciente de cada um, lá se vai a liberdade individual, pois estou convencido que é ao subconsciente que cada homem vai buscar a réstea de identidade consigo próprio que determina o ritmo da sua irrepetível singularidade.
Só, com o meu computador passei horas a configurar meu webblog. Ainda bem que ele ainda não sente: mandar-me-ia pentear macacacos e às tantas soltaria lá do fundo das entranhas de sua memória o provérbio "Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão". Ou outro mais apropriado à minha idade: "burro velho não toma ensino".

quinta-feira, janeiro 10, 2002

Trata-se de um primeiro teste: sérá que isto vai dar alguma coisa de jeito? Para já uma primeira explicação do título: é um neologismo que associa pró (= a favor de) + verbo (= a palavra, no sentido popular, sentencial e proverbial de que "a falar é que a gente se entende) e biota (= ser vivo que habita qualquer ponto do universo), incluindo, portanto, qualquer extraterreste que tenha acesso a esta página. Dá para entender? Se não der por hoje vamo-nos esforçar para que dê noutra qualquer ocasião.