O sexto sentido.
Embora se diga que contra factos não há argumentos, o homem é um exímio aldrabão dos sentidos. Tem cinco sentidos, mas é com um sexto, (pelos vistos todos têm um, mas ninguém sabe como opera...) que ele elabora os argumentos contra os factos. Os outros animais não possuem este olhómetro e, por isso, obedientes ao relógio de seus ritmos biológicos, arrumam-se na vida conforme os instintos, e se alguns a eles escapam, é porque os homens os submetem às tropelias da domesticação e às fantasias que evocam nas histórias do tempo em que os animais falavam os envergonhados êxitos e frustrações da humanização da natureza.
Como em terra de cegos quem tem um olho é rei, o homem é o rei dos animais graças ao sexto sentido – o tal olho suplementar que nós temos e eles não. A bem dizer, o sexto sentido orienta o homem de forma a reduzir os outros cinco à expressão mais simples, simplesmente dispensáveis: às tantas, não são precisos olhos para ver, ouvidos para ouvir, mãos para apalpar, boca para saborear e nariz para cheirar. Nem a realidade é necessária, porque o sexto sentido navega como peixe na água na realidade virtual.
Na realidade virtual, o corpo vai para o galheiro, mas ressuscita e pirilampa por entre tufos de “bites” ordenados pela mestria dos algoritmos que colocam ao alcance de um digito humanóide a promessa profética de uma Jerusalém Celeste, finalmente invertida a contento do sexto sentido do homem: enquanto no Éden dos édipos a utopia redentora é o mundo da inocência, quiçá da ignorância, no Ciberespaço, a versão digital da ubiquidade dos contrários desenha um mundo de saber e de inteligência perpétua...
Estaremos condenados pelo sexto sentido a ser deuses? Pelo sim e pelo não, fia-te na Virgem e não corras e verás o trambolhão que levas...