sexta-feira, março 25, 2011

Cada caso é um caso

Num café em Coimbra, uma senhora idosa, certamente a proprietária, lamenta-se: - desculpe, mas a máquina não aquece e nem sei porquê ainda ontem estava boa. E mexia nos botões ao dispor para a máquina responder como na véspera. Conseguiu: - já está, afinal é bem verdade que as máquinas têm sempre razão. Esperei e bebi o café reconfortante.

A peripécia deu para meter conversa: - afinal a máquina tem sempre razão; é a razão que nem sempre a tem… Ora agora é que o senhor disse uma grande verdade. É isso mesmo. E repetiu prolongadamente a sentença, nem para eu ouvir, nem para se ouvir, mas ecoando-a ao ritmo de acenos visíveis e concordantes com o débito de reminiscências ocultas da memória, - é isso mesmo a razão nem sempre tem razão… Estaria a senhora a reviver em silêncio sem precisar de Pascal as razões do seu próprio coração que a razão desconhece?

Saio do café. Medito: por que é que a razão se dá tão mal com a diferença a ponto de inventar as máquinas, fascínio das técnicas,"hossanas" da ciência, para endeusar um artefacto mecânico que só por artifício consegue que a razão tenha sempre razão devido à inércia do material… Pobre razão que, quando exercida pelo homem e face à inexorável resistência do mundo e da vida, rende-se, calada, à confissão de subordinação mais pungente do ser humano à realidade: “cada caso é um caso”.