Mãe
Hoje é dia de teu aniversário. Como se festeja aí no céu o dia de anos? O pai fez anos no passado dia oito. Encontraram-se? Já deves saber que a nossa pobre imaginação projecta cá na terra o reencontro idílico no céu dos mortais deste mundo. Seja como for quero recordar-te um sorriso teu.
É datável. Foi em 17 de Fevereiro de 1941. Tinha eu cinco anos e cinco meses. Estávamos sós em casa. O pai trabalhava em Coimbra, o Zé, com onze anos já era marçano na loja do Zé Moca e a Lurdes aprendia costura, ambos na vila. Levantou-se um vento doido, árvores, telhados, alfaias, gados e capoeiras voavam sem destino. Ao teu lado nunca tive medo e, por isso, minha inocente e curiosa expectativa de um dia fora do comum estranhou a inquietação com que me ajoelhaste a teu lado, de mãos erguidas, a gritar o socorro de Jesus, Maria e José. Mas os nomes de Deus Jesus e José atropelavam-se à saída de teus lábios aflitos e soavam de um só folgo inquieto Judé. Ai Maria Judé nos acuda! Maria e Judé , Maria e Judé. Emendei-te com uma cotovelada tranquila: - Oh! Mãe, não é assim que se diz. É Maria e José.
Voltou a tranquilidade ao teu rosto. O sorriso que me devolveste ainda anda comigo e faz parte da substância sagrada da percepção de divino que nunca mais me abandonou.