domingo, maio 02, 2004

Dia da Mãe



Para ir até ao Sousa Bastos, o cinema, subia-se ou descia-se, conforme o ponto de partida, calçadas, escadas, muitas pedras e pedrinhas, ruas envergonhadas do sol, vielas por onde ainda circulava a tacanha sombra medieval da vida universitária coimbrã. Éramos quatro, amigos deambulatórios de dias e horas displicentes, ocupantes desordenados e distraídos de degraus e muros baixos, à espera que abrissem a bilheteiras para a última sessão da tarde. O negro da capa e batina, nossas fatiotas de um ano inteiro, absorvia ainda mais a escassa luminosidade vizinha do crepúsculo.

Dou com uma mulher, de costas, que descola a custo as passadas das pedras da calçada aonde a prega o peso de um volumoso molho de cavacas, à cabeça.
Como é possível? Passou à minha beira e não me disse nada? A cabeça colada ao tronco sob o peso da carga o vulto acreditava poder dobrar a esquina próxima sem ser reconhecido: não queria revelar aos colegas a débil estrutura sócio económica da família, susceptível, no seu entender, de envergonhar o convívio aburguesado do filho com os restantes pares, cuja maioria, naquela altura, ascendia ao ensino superior oriunda de camadas sociais abastadas.

O filho chamou-a – Ó Mãe! – um misto de apelo, compreensão e ternura. Teve de voltar o corpo todo para responder ao apelo.

Foi então que um sorriso se desprendeu do rosto de minha Mãe, iluminou as vielas estreitas à volta, aqueceu a alma dos meus colegas, e entrou no meu coração para sempre.

É esse sorriso que hoje devolvo ao Céu, querida Mãe, quarenta e seis anos depois!

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