Pela boca morre o peixe
Tenho cana, carretos, linhas e anzóis. E sacos, cestos, tesouras, canivetes e alicates. Sei onde se compra o isco, tenho um livrinho com as marés, mas não me considero um pescador. Passo anos sem ir à pesca e nos anos que vou, contam-se pelos dedos da mão os dias em que abeiro os pesqueiros. Sem o traquejo da lide continuada, coloco-me tímido na enfiada de pescadores tostados pela experiência de sóis, frios, ventos e maresias e armo os aparelhos com a medrosa hesitação de quem não domina a matéria.
Há dias, ousei colocar-me na última nesga de um paredão bem saturado de canas e consegui a autorização tácita para me candidatar ao unânime isto hoje não está a dar para ninguém dos companheiros mais madrugadores. Antes de lançar, com a estudada modéstia do costume, implorei a compreensão da vizinhança: - sou novato nisto, amigos.
Normalmente, recolhe-se um incentivo, mas desta vez, o companheiro do lado reforçou minha timidez: - é novato e nota-se...
Lancei. A linha, a timidez, a afoita esperança de uma cândida ingenuidade que me acompanha desde menino. Um minuto depois tinha um peixe a estrebuchar a ponteira da cana. E nem era sargueta, era sargo, desses que enche um prato com duas batatas e uma macheia de grelos.
O vizinho penitenciou-se do remoque com o provérbio pela boca morre o peixe. Eu, atónito diante do estertor prateado do peixe na ponta do anzol, lembrei-me da sentença de Jesus que cito de memória: não é o que entra pela boca que conspurca o homem, mas aquilo que sai pela boca do homem.
Tanto morre pela boca o peixe, como o homem. Mas nota-se menos no homem, porque fala pelos cotovelos. E quanto mais fala, mais se julga vivo e mais vivo o julgamos. No entanto, a falar se esgota. Com a boca voz do cérebro, manda bocas ao mundo, esse mundo que fica tal e qual o deixamos quando a função cerebral se esgota e com ela a capacidade de mandar bocas.
Evidentemente, também a capacidade de mandar bocas na blogoesfera.
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