Um café e um pastel.
Hoje tomei um café
num estabelecimento com uma larga porta de vidro para o exterior. A porta
funcionava como ecrã.
Movimentos vários, de pessoas, coisas, carros, parados e a
andar, obedecendo a sinais, uns virados para mim, espectador, outros de um lado
para o outro a jogar ao agarra e foge com figurantes indeterminados do filme.
Cena banal de sucessão de planos à velocidade real dos
olhos. Imaginável, no entanto, como fracções de cenas, ensaios de tomadas de
vista, músicas, passos de dança, pinceladas, metáforas várias.
Pensava. Há quanto tempo se emociona o homem com a
realidade para poder transformá-la em expressão de outra coisa?
Quantos anos após anos, eras após eras se desenrolaram
para poder beberricar hoje um café intelectual e saborear o creme de um pastel
folhado de imbricações estéticas?
Houve, há e haverá movimento? Dá jeito para imaginar a
memória em marcha. Mas superação e integração do real no presente se acolhem. É
a isso que chamam progresso? A realidade é o permanente resultado de um sopro criativo,
aqui e agora. Quem sopra? Seja quem for, atrás da realidade se esconde.
E pronto, meu estado de alma, um café e um pastel.
Um comentário:
Meu caro!
Quis fazer-te companhia e, assim, enfiei-me, através daquele ecrã mágico* a servir de entrada, nessas paragens indefiníveis, onde te encontras e me acenas lá de cima de um andaime com vistas para os limbos, esperneando num acto de equilibrismo artístico. Mas eu, que tanto queria assistir a essa cena da realidade transformada em expressão diferente, não consigo apanhar-te; não possuo a agilidade para me agarrar ao teu virtuosismo. E, assim, dou este trambulhão lá para baixo.
* ou era um espelho como aquele traspassado pelo o Orfeu num filme do Cocteau?
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