Palavras para um catálogo
de uma exposiçãp patente
até 30 de Novembro de 2002,
de Terça a Sábado das 14 às 19h
Caleria
NOVO SÉCULO
R. do Século, 23 A B
1200-433 LISBOA
Entre! É uma exposição de João Vaz de Carvalho. São quadros. Telas sem cenário. Fundos de cores que entram pelos olhos dentro matizadas por variações tonais que a mestria do pintor faz sobrepor como se o gesto do pincel encontrasse tão só a presença subtil de camadas de tule transparente.
Entre! Agora no quadro. Trave conhecimento com uma, duas, três, quatro cabeças bojudas encrostadas em troncos rectangulares proporcionais à cabeça. Olhos? Ou distraidamente cegos, a olhar para dentro, ou redondamente arregalados a olhar para fora. Repetidamente desproporcionados em relação ao volume de outros sentidos bem proeminentes nas carantonhas narigudas com beiçolas escarlates. E os membros? Apenas uns paus de fósforo suficientes para manter de pé e movimentar os cabeçudos entroncados ou sugerir, quando necessário, um arremedo de braços para animar os trânsitos comportamentais dos personagens. E há bichos que ainda falam. Humanóides.
Sim, entre! Os quadros contam histórias. Uma ou várias a cada espectador. Uma ou várias por cada quadro. Uma ou várias pela sucessão das sugestões pictóricas que convidam o visitante a embrenhar-se na leitura de uma banda desenhada sem o apoio dos balões linguisticos que, por regra, orientam um só sentido óbvio da narrativa.
Entre! Venha e participe na desconcertante destruturação do inelutável convívio do pintor com o mundo dos objectos quotidianos, que são também da memória colectiva. Pairam em equilíbrio instável sobre as cabeças. Quando se anda com a cabeça cheia de coisas (símbolos de quê?…), coisas simultaneamente indispensáveis e fúteis, oscilando entre a utilidade e o empecilho, balançando, afinal, entre o desespero que a lucidez ilumina e a futilidade que também ao desespero não escapa, então, rir é o melhor remédio.
Entre! A proposta de João é de humor contido. O humor salva. O pintor já fez descer o riso às profundezas de si mesmo. Está salvo. Aproveitemos agora as achegas que ele nos estende e salve-se como puder: encontre uma cifra para o código de barras que encima e finaliza muitos quadradinhos desta história; assuma sem rebuço as significações das “coisas” com que anda na cabeça – pés, mãos, olhos, língua, pénis, útero, mamas, nádegas; ouça, veja e… ria. Ria, sobretudo de si mesmo.
João Lamas.
Lisboa, 2 de Outubro de 2002.