sexta-feira, junho 28, 2002

A primeira a saber és tu.


Quando começa então a vida humana? Não será quando ela se anuncia? E quem recebe o anúncio, tu, sabe do que se trata: a de uma nova vida humana. Anúncio solitário. Bem-vindo? Mal-vindo? Iniludivelmente vindo. Desasadamente vindo.Vindo para a vida ao encontro da morte. Não é pessoa? De certeza que não é se o/a não deixarem ser: a pessoa vai-se fazendo sustentada pela humanidade em marcha para cada vez mais ser. Recorrer à ciência e à filosofia para destruir o embrião antes de? É sempre depois de que se opera a destruição, sustentada pela humanidade em marcha para cada vez mais ter. Ser ou ter - eis a questão.

quinta-feira, junho 27, 2002

Nu Verão


Eu gosto do Verão porque as pessoas despem-se. E algumas despem-se tanto que ficam nuas. Eu gosto do nu: duas letras muito significativas - "n" de não; "u" de um. Nu = não um. Não um, mas dois ou mais...
No Verão as pessoas andam com menos (roupa, dinheiro, adereços, etc.). Podem portanto partilhar mais o que são e não o que têm. Se calhar Adão e Eva nasceram no Verão e... vestiram-se no Outono, a estação da Queda...

sexta-feira, junho 21, 2002

A verdade de La Palice.


Os velhos (chamo velhos a quem, como eu, tem direito ao passe social da terceira idade), numa ocasião ou outra deixam escapar que estão próximos da morte. Há dias percebi uma leve inquietação de um amigo a propósito deste assunto e atirei para a mesa com esta sentença:
- Eh pá, toda a gente nasce com que é necessário para morrer.
- Pois, essa é mais uma verdade de La Palice.
O tema da conversa morreu por aqui e voltámos a dar vida a outros discursos para os quais não foi mais necessário evocar as verdades de La Palice...
Agora, no silêncio de O Proverbiota, venho perguntar:
- Mas haverá alguma verdade com a qual estejamos todos de acordo que não seja de La Palice?
Valha a verdade que La Palice não é célebre por ter sido autor de verdades incontestáveis. Marechal de França entre o último quartel do século quinze e o primeiro do dezasseis, Jacques de Chabannes, senhor de La Palice, viu-se envolvido numa batalha travada sem o seu consentimento. Bateu-se, porém, com grande determinação e bravia. Morreu no campo de batalha. Seus soldados, gente simples e por certo analfabeta, para afugentar as mágoas da derrota, beberam uns copos para esquecer, mas imortalizaram para sempre o seu chefe, cantando a verdade da vida de La Palice que “um quarto de hora antes de morrer, estava vivo”... E esta é a verdade de La Palice que muito pouca gente conhece.
A verdade dita científica, o acordo com a proposição necessária, neste sentido o contrário do erro, é tão obediente à mecânica do raciocínio que basta uma vintena de anos de estudo para que não nos escape a conclusão ao fim de um percurso step by step de qualquer primário debugger. Mas a verdade de um compromisso vital, neste sentido o contrário da mentira, não convence quem tem um arsenal neutro de razões prontas a disparar mecanicamente, mas não escapa a quem partilha a fidelidade ao compromisso de andar na vida, não para a prolongar, mas para a viver... até antes da morte.

segunda-feira, junho 17, 2002

Um, dois, esquerda, direita e... troca o passo.



Direita e esquerda? Estou pela esquerda condenado a ser da direita, pois é a esquerda que diz que é de direita quem não vê a diferença. Mas não vejo, embora me julgue capaz de diferenciar os discursos.
Mas... há os comportamentos: - estudam nos mesmos colégios, vestem nos mesmos alfaiates, penteiam-se nos mesmos cabeleireiros, comem nos mesmos restaurantes, vão às mesmas festas, andam nos mesmos automóveis, lêem os mesmos livros, falam nas mesmas televisões, escrevem nos mesmos jornais, etc. e tal. Por que raio de magia deverão ser diferentes as políticas?
E quem pergunta é o Zé Povo que estuda na mesma escola degradada, veste na tenda do mesmo cigano, vai ao barbeiro da mesma esquina, come em pé a mesma sopita, diverte-se à bisca lambida nos mesmos jardins, agarra-se como pode aos mesmos varões dos autocarros, lê (quando sabe ler...) a mesma Maria, partilha os mesmos sonhos do Big Brother, e desabafa as mesmas angústias nos directos dos mesmos telejornais, etc. e tal.
Um, dois, esquerda, direita e... troca o passo. É tempo de dizer "Basta!".

domingo, junho 16, 2002

Cravo e canela livre de impostos


Chegou da Coreia a selecção nacional de futebol. Esperava poder desfazer o sentido do último post. Mais: esperava desancar meu pessimismo precipitado e dizer que aquilo com a América tinha sido “primeiro milho para pardais”. Pardais? Pardalecos, esses americanos que têm a mania de ser bons em tudo, até em futebol, vejam lá, a única garantia que ao terceiro mundo ainda resta de poder figurar nas primeiras páginas dos noticiários sem ser por via da fome, da epidemia ou da guerra.
Os “tugas” não catapultaram meu ego de pobretana ocidental para a via ascensional dos mastros e velas que outrora sonharam buscar o sol lá onde nascia o astro-rei.
Mas há ainda uma réstea de portugalidade no campeonato do mundo: os brasileiros continuarão a contar as facécias anedóticas do Zé Pacóvio que os descobriu e ... o Senegal, por quem passo agora a torcer: - o Senegal moderno deve muito a Leopold Shengor, cujo nome vem directo do português "Senhor" e que, enquanto poeta, lembrou que lhe corria no sangue a alma do fado.
Quanto aos "Tugas" foi mais um sonho perdido no regresso das caravelas. Partiram Gamas e nem sequer regressam com a fantasia purificada pela Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. Foram ao oriente e como bons agiotas ocidentais querem cravo e canela livre de impostos.

quinta-feira, junho 06, 2002

Cedo, a decadência



Euros Bruxelas

Pobre povo

Nação cadente

E fé fatal

Murcham hoje mastro e velas

Cravo e alhos de Portugal

Entre o esperma da memória

Ó Tugas, sente-se que a vós

Faltam ventos dos avós

Que nos soprem a vitória

Garganta! Garganta!

Nem mar, nem barcos, nem anzóis

Garganta! Garganta!

Vamos pastar os caracóis

Mudam-se os ventos

Espanhóis, espanhóis



Bom, se, entretanto, passarmos à fase seguinte lá no oriente que já foi nosso, voltamos ao hino republicano, à Maria da Fonte e à Padeira de Aljubarrota. E desculpem o mau jeito: ando azedo desde ontém. Falta-me alma até Ameida. Cheguei ao Almotão e que vi eu? A Senhora de lá virada para Castela e de costas voltadas para Portugal... Contava com os Tugas para vencer a crise...